quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Oração racional

Matheus Viana

Oração, para muitos, é a principal demonstração de piedade cristã. Em seu livro A celebração da disciplina, Richard Foster afirmou: “De todas as disciplinas espirituais, a oração é a principal, porque nos conduz a uma comunhão perene com o Pai.”[1].

A vida de Jesus confirmou – e confirma – este fato. O apóstolo Paulo diz que Ele está à destra do Pai intercedendo em nosso favor (Romanos 8:34). Durante Seu ministério terreno, retirava-se, constantemente, para orar. Momentos antes de ser entregue para ser julgado e crucificado, convidou seus três discípulos mais próximos para um momento de oração. Ao chegar no tenebroso e dramático jardim do Gestêmani, distanciou-se deles para orar ao Pai. Após ressuscitar, reuniu os discípulos – com exceção de Judas – e orou ao Pai em favor deles (Evangelho segundo João 17).

Assim, o fato de Jesus orar frequentemente também é a prova cabal de que oração é um dos principais elementos de nosso culto racional. No episódio do Getsêmani, vemos uma demonstração de que a oração de Jesus era completamente racional. E esta racionalidade é que deve ser alvo de nossa análise a fim de a imitarmos.

Para entendermos o culto racional que Jesus realizou naquela ocasião, precisamos levar em conta seu estado emocional. Jesus estava profundamente angustiado, ao ponto de declarar: “Minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal.” (Evangelho segundo Marcos 14:34). Mesmo assim, Sua oração, ainda que evidenciou Seu drama e a intensidade de Seus sentimentos, baseou-se no plano de redenção estabelecido antes da fundação do mundo (Efésios 1:6-10, Apocalipse 13:8): “Pai, tudo te é possível. Afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres.” (Evangelho segundo Marcos 14:36).

As emoções de Jesus não determinaram Suas orações. A lição para nós é prática e sucinta: nossas emoções não podem determinar nossas orações. Devemos, sim, orarmos com fervor e sentimentos, pois não somos robôs. Porém, orar com sentimentos e realizar uma oração baseada neles são coisas bem diferentes. Jesus deixou claro que as turbulências emocionais não podem interferir, de modo a fazer sucumbir, na nossa racionalidade fundamentada na Palavra (Vontade) de Deus. Foi exatamente isso que Ele fez.

Mas esta, embora crucial, não foi a única vez em que Jesus realizou Seu culto racional através da oração. Toda a vida de Jesus foi pautada nas Escrituras (Evangelho segundo Mateus 5:17, Lucas 4:18, João 5:39). No quesito oração não foi diferente. Por isso, ao ensinar sobre sua prática, mostrou que devemos orar de modo racional, ou seja, conforme a Vontade do Pai.

Interessante que Jesus começa ensinando sobre a ética da oração: “E quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros.” (Evangelho segundo Mateus 6:5). Com isso, Ele quis demonstrar que oração é um ato de humilhação, e não de vanglória piedosa (Cf. Evangelho segundo Lucas 18:9-14). 

Quando um líder de Israel levantado por Deus – sacerdote ou um rei – convocava o povo para uma assembleia solene de oração e jejum, era o exercício de rendição e humilhação do povo perante Deus, onde rasgavam suas vestes, se prostravam com o rosto em terra e colocavam sobre suas cabeças pó e cinzas (Cf. Esdras 9:3-5, Joel 2:13-17). No entanto, os fariseus usavam o ato de orar como a demonstração de uma superioridade espiritual. Tal realidade também não faz parte do contexto atual? Lembre-se: oração racional visa a humilhação e a consequente comunhão com Deus. Pois não há comunhão com o pai sem quebrantamento e arrependimento (Salmo 51:17, II Coríntios 7:10).

Humilhação, conforme preconizou o apóstolo Paulo, é um dos principais elementos do culto racional (Romanos 12:1), pois oferecer nossos corpos como sacrifícios vivos, no sentido figurado, é se humilhar diante de Deus como sinal de reconhecimento de que somos completamente dependentes Dele (Cf. II Crônicas 7:14). E, sim, há circunstâncias em que este sacrifício vivo é literal. Haja vista o grande número de cristãos mortos por não negarem a fé em Jesus Cristo no passado e também no presente.

Jesus demonstrou a importância da racionalidade na oração quando advertiu: “E quando orarem, não fiquem repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos.” (Evangelho segundo Mateus 6:7). Creio que Jesus, por ser profundo conhecedor dos profetas de Israel, tinha em mente a advertência do profeta Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.” (Isaías 29:13). Tanto é que Ele cita esta passagem em outro contexto não muito posterior (Cf. Evangelho segundo Marcos 7:1-7).

Oração não é ritualismo frívolo. É a demonstração de que O amamos de todo o nosso coração, de toda alma e com todo intelecto. Não há como dissociar coração de intelecto. Por isso Esdras proclamou: “Guardo no meu coração as minhas palavras para não pecar contra ti. (Salmos 119:11). Por amarmos a Deus, desejamos ter comunhão com Ele. Comunhão se dá através da oração. Oração é proclamar quem Ele é e quem somos perante Ele e Sua Palavra. Não se trata de repetirmos as Leis de Deus, mas conhecermos a Sua vontade, através de Sua Palavra a fim de orarmos de acordo com Ela. É neste mote que o apóstolo Tiago advertiu: “Pedis e não recebestes, pois pedistes mal, para o vosso próprio deleite.” (Tiago 4:3).



[1] FOSTER, Richard J. Celebração da disciplina: o caminho do crescimento espiritual; tradução de Marson Guedes – 2. Ed. São Paulo: Editora Vida, 2007. p. 67.