quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Intelecto consagrado

Matheus Viana

Na antiga aliança, um pecado não era redimido sem um sacrifício, fosse ele realizado em forma de oferta ou holocausto. Um sacrifício, por sua vez, não poderia ser oferecido sem a presença de um sacerdote, pois apenas ele poderia realizá-lo. Este sacrifício, no entanto, somente era válido se o sacerdote que o realizasse estivesse portando um adereço fundamental: “Faça um diadema de ouro puro e grave nele como se grava um selo: Consagrado ao SENHOR. (...) Estará sempre sobre a testa de Arão, para que as ofertas sejam aceitas pelo SENHOR.” (Êxodo 28:36).

Todos os detalhes que Deus ordenou para que fossem estabelecidos no Tabernáculo, em seus utensílios, no ritual e no traje sacerdotal não foram em vão. Embora o aspecto cerimonial da Lei foi cumprido em Cristo (Evangelho segundo Mateus 5:17, Romanos 10:4), seus significados ainda são aplicáveis a nós, mesmo que nosso culto seja realizado de forma diferente. Contudo, o espaço e a sua paciência não me permitem elucidar um estudo exaustivo de tipologia (estudo sobre o significado – e com seus devidos apontamentos para Jesus - de cada um destes detalhes), tampouco tenho conhecimento para tanto. Mas, por ser pertinente, proponho-me a refletir sobre o diadema que Deus ordenou que o sacerdote utilizasse na ocasião do ritual e suas devidas aplicações para os cristãos.

Este diadema deveria permanecer na testa (cabeça) do sacerdote. Por quê? Para que não se esquecesse de que o caráter daquele ritual deveria ser santo (kadesh, separado, consagrado), pois seria realizado para o único e verdadeiro Santo (Kadosh, santidade plena, completa ausência do profano): Yahweh. Além disto, era para demonstrar que este ritual era o culto racional que o povo, por intermédio do sacerdote, deveria oferecer a Deus.

O fato de este diadema permanecer na testa de Arão era a representação de uma mentalidade sacerdotal exigida por Deus: consagrada ao Senhor. Algo necessário, pois a mente humana foi corrompida pelo ardiloso argumento da serpente (Gênesis 3:5, II Coríntios 11:3). O culto que Deus espera do ser humano exige racionalidade, por isso ela precisa ser consagrada. Ou seja, nossos pensamentos devem refletir a Santidade e a Glória de Deus. Isto é amá-Lo e serví-Lo com todo o nosso intelecto (Evangelho segundo Mateus 22:37).

Esta consagração é apenas o início para que todo nosso ser seja consagrado (e santificado). É neste mote que o salmista declara: “Quão bom e agradável que os irmãos vivam em comunhão (como consequência de nossa comunhão com Deus)! É como óleo ungido, derramado sobre a cabeça, que desce pela barba, a barba de Arão, até a gola de suas vestes.” (Salmo 133:1-2).

Cabeça na Bíblia fala de autoridade. Por isso o apóstolo Paulo apresenta Jesus como “O cabeça da Igreja.” (Efésios 5:23). A analogia de que o cérebro comanda todo o corpo vem bem a calhar. Pois foi a uma semelhante a essa que Paulo se referiu usando tanto a didática judaica, elucidada no salmo anteriormente citado, e a grega, onde Platão, que em sua antropologia dividiu o ser humano em cabeça (razão), peito (coragem) e baixo ventre (desejo), afirmou que a razão deve ter o pleno controle sobre a coragem e o desejo de um indivíduo a fim de que ele seja virtuoso.

Assim, a racionalidade do sacerdote deveria ser utilizada como um dos fatores fundamentais do culto. Além disso, deveria ser desdobramento de uma consciência e racionalidade submissas à Santidade de Deus expressa em Sua Lei. Por isso, o diadema deveria trazer os dizeres: Consagrado ao SENHOR. Algumas traduções trazem o termo “Santidade ao SENHOR.”, pois o termo hebraico é kadesh, que pode ser traduzido tanto como consagrado quanto como santidade. Somente assim o culto, realizado através do sacrifício, seria aceito. Fato que representa a verdade de que nosso culto a Deus, para ser aceito por Ele, deve ser racional. E, claro, uma racionalidade consagrada. Este foi o significado que Jesus aplicou à declaração que fez para os discípulos: “Vocês estão limpos pela palavra que vos tenho dito.” (Evangelho segundo João 15:3). Aqui é necessário evocar o ouvir, o compreender e o praticar.

A Palavra de Deus nos purifica porque ao ouvirmos, Ela gera fé em nosso coração (Romanos 10:17). É por Ela que o Espírito Santo nos convence do pecado, da justiça e do juízo (Evangelho segundo João 16:8) a fim de que sejamos conscientes do fato de que precisamos nos arrepender (Evangelho segundo João 14:26) e de que o sacrifício realizado por Jesus é suficiente para nos purificar e nos redimir de todo pecado (II Coríntios 7:10). É por isso que o apóstolo Paulo exorta os romanos: “Transformai-vos pela renovação de vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, perfeita e agradável vontade de Deus.” (Romanos 12:2). Pois, como um judeu erudito na Lei mosaica, tinha conhecimento do fato, bem como o caráter nele implícito, do uso do diadema pelo sacerdote.


O fato do diadema ser de ouro puro também não é em vão. É baseado neste fato que Isaías proclama: “Mas o homem nobre faz planos nobres, e graças aos seus feitos nobres, permanece firme.” (Isaías 32:8). Não há nada mais nobre e precioso do que a Palavra de Deus. Por isso Esdras afirma: “Guardo no meu coração as tuas palavras.” (Salmo 119:11). E o apóstolo Paulo orienta: “Pois nele (Jesus) vocês foram enriquecidos em tudo, isto é, em toda palavra e em todo conhecimento.” (I Coríntios 1:5).