quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Os cristãos e os absolutos de Deus

Matheus Viana

Toda construção precisa de um fundamento. O ser humano é o resultado de leis físicas e biológicas que funcionam em harmonia. Quando há carência desta necessária harmonia, surgem as anomalias. Portanto, esta harmonia entre as leis é um absoluto.

Tente, por exemplo, relativizar a lei da gravidade e pule do parapeito do 15º andar de um edifício sem nenhum instrumento que amorteça sua queda. Talvez você não sobreviva para testificar que absolutos existem. Certa vez em uma aula em que eu falava sobre a existência de absolutos, perguntei para a classe: “Alguém aqui acredita que absolutos não existem, que tudo é relativo?”. Um garoto respondeu prontamente, sem pestanejar: “Eu acredito que tudo é relativo.”. Perguntei em seguida: “Você tem certeza disso?”. “Absoluta”, ele respondeu. Depois começou a rir de sua própria incoerência.

Os cristãos (verdadeiros, não apenas nominais) estão pautados em alguns absolutos. O apóstolo Paulo, um dos principais personagens do cristianismo, disse: “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus como a pedra angular...” (Efésios 2:20). A maneira de ser, pensar e agir de um cristão deve estar pautada nos absolutos de Deus. Veja que Paulo se refere aos apóstolos, que continuaram a difundir o legado de Cristo, aos profetas, que se referem à Lei dada por Deus ao Seu povo através de Moisés e às promessas que apontavam para a vinda de Jesus, o Deus que se fez homem (Evangelho segundo João 1:14, Colossenses 1:15) contidas no Antigo Testamento. E, claro, todos esses fundamentos convergem no próprio Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida (Evangelho segundo João 14:6).

Infelizmente, não é o que acontece. Vemos pessoas que afirmam ser cristãs defendendo condutas que contrariam os absolutos de Deus. Um exemplo, e o que quero tratar especificamente neste breve texto, é o aborto. Sim, acredite, há quem afirme ser cristão e, ao mesmo tempo, é favorável ao aborto.

Considerando o absoluto de Deus no tocante à vida, não há discussão. Vamos partir da Lei do Antigo Testamento até a aplicação feita por Jesus. Há quem diga que os mandamentos do Antigo Testamento não servem para nós atualmente, pois a era da Lei já passou e a da Graça foi inaugurada com Cristo (Romanos 6:14). Sim, isto é uma verdade. Contudo, não é completa.

Vivemos pela Graça manifesta por Cristo, mas outro princípio complementar é o de que a Lei mosaica contém três atributos: o sacrificial (ou cerimonial, que também abarca o simbólico), o civil (específico para os hebreus) e o moral. O primeiro foi cumprido em Jesus. O próprio Jesus disse, em seu sermão da montanha, que não veio abolir a Lei, mas cumpri-la (Evangelho segundo Mateus 5:17). E Ele a cumpriu plenamente ao ponto de bradar: “Está consumado.” (Evangelho segundo João 19:30). Por isso o escritor da carta aos hebreus disse: “E Ele (Jesus) o fez uma vez por todas quando a si mesmo se ofereceu.” (Hebreus 7:27).

O aspecto moral permanece. O apóstolo Paulo adverte: “Deus ‘retribuirá a cada um conforme o seu procedimento’. Ele dará vida eterna aos que, persistindo em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade. Mas haverá ira, indignação para os que são egoístas, que rejeitam a verdade e seguem a injustiça.” (Romanos 2:7-8). Quando João preconiza: “Aquele que diz permanecer nele (Jesus), cuide para andar como Ele andou.” (I João 2:6), estava falando sobre exercer a mesma conduta moral, pautada nos absolutos de Deus, que Jesus exerceu como homem.

A prática do aborto, além de ser o exercício do egoísmo, fere o mandamento: “Não matarás.” (Êxodo 20:13). E isso não deve ser tratado como algo que ficou no passado do Antigo Testamento bíblico. Pois Jesus falou de sua contemporaneidade (aplicação em nossos dias) quando disse: “Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’, e quem matar estará sujeito a julgamento. Mas eu lhes digo que qualquer um que irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento.” (Evangelho segundo Mateus 5:21). Ou seja, a Graça de Jesus não anula a Lei, mas a renova e aperfeiçoa com o caráter de amor, e não de obrigatoriedade.

O direito a vida é, conforme vimos, um absoluto dado por Deus. Por isso apenas Ele tem a autoridade e o poder de tirá-lo de nós. Sim, a morte é consequência do pecado (Gênesis 2:17, Romanos 6:23). No entanto, o pecado é produto do desejo e da escolha humana que Deus permite. Assim, Ele é soberano sobre a vida e sobre a morte. Baseado nesta autoridade Jesus afirmou: “Toda autoridade me foi dada nos céus e na terra.” (Evangelho segundo Mateus 28:18). Ele morreu e ressuscitou. Tal fato é a demonstração de que Ele, sendo Deus, é Senhor sobre a vida e sobre a morte. Somente Ele.

Muito se fala sobre a prática do aborto como o “direito” da mulher ao seu corpo. No entanto, este direito, lícito, termina onde começa outra vida, ainda que em seu ventre e em pleno desenvolvimento. O feto, embora dependente e sem consciência de sua própria existência, não é extensão do corpo da mulher. Tal verdade é clara na afirmação de Davi: “Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção (...) Os teus olhos viram o meu embrião...” (Salmo 139:13-16 – Ênfases acrescentadas).

Quando uma mulher aborta, ela está interferindo no desenvolvimento de outra vida que, embora dependente dela, repito, é um ser particular e considerado por Deus no momento em que é fecundado. Em outras palavras, está infringindo o “não matarás” sem a permissão dAquele que tem toda a autoridade sobre a vida e sobre a morte.

Alguns favoráveis ao aborto argumentam o fato de que milhares de mulheres morrem em clínicas clandestinas. Tais mortes, embora indesejadas, uma vez que Deus se entristece com a morte dos ímpios (Ezequiel 19:23); são consequências das escolhas que elas fizeram. É o desdobramento do que Deus disse no início ao ser humano: “mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, pois no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gênesis 2:17). É o que tem acontecido, literalmente.

O aborto é consequência também do que o apóstolo Paulo afirmou: “Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados em lugar do Criador. Por isso Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam.” (Romanos 1:25-26). É fato. A maioria dos casos de abortos é proveniente de relações sexuais ilícitas, fruto do hedonismo que escraviza sexualmente as pessoas e deturpa a forma de pensarem e agirem. O discurso de Paulo é bastante atual.

Se seguirmos o mesmo raciocínio demonstrado no argumento acima, será que então Deus teria que “legalizar” o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal para que o ser humano não sofresse a terrível consequência da morte? Claro que não! Pois Deus é amoroso, bondoso, misericordioso e justo. Mas é um Deus moral. E moral, como qualquer pessoa sabe, é a existência e o senso de certo e errado, claro, com suas consequências.

O feto, por sua vez, não tem escolha, não tem defesa, não tem nada. Ele sofre a consequência da escolha da mulher, que, em alguns casos, também morre. Lutar pela legalização do aborto é o mesmo que pleitear para que Deus mude o absoluto de que o salário do pecado é a morte e o dom gratuito de Deus é a vida eterna. Portanto, saiba que Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa (Números 23:19). Ele não mudará Seus absolutos, por isso Ele é o mesmo ontem, hoje e será eternamente (Hebreus 13:8).

Resumindo, Jesus é a favor da vida. Logo, expressamente contra o aborto. Isso é absoluto para um cristão. Não há quem lute, no caso do aborto, pelo feto. Por isso o próprio Deus luta. Sendo assim, prefiro observar o que Jesus disse certa vez: “Quem comigo não ajunta, espalha.” (Evangelho segundo Mateus 12:30). Em outras palavras, não há como ser cristão e ignorar o absoluto de que Deus é contra o aborto por ser a favor da vida, principalmente dos indefesos e dos que não têm capacidade de exercer a escolha de viver.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Ensaios sobre o mal - Parte III

Matheus Viana

Mas há os que questionam: “E o mal que assola pessoas inocentes? E quando pessoas boas sofrem de câncer, por exemplo? E uma criança que nasce debaixo do veredicto de uma enfermidade?”. Para indagações como estas há apenas uma resposta: Não há ninguém que seja inocente. O apóstolo Paulo elucida que todos pecaram (Romanos 3:23) e que, por isso, não há um justo sequer (Romanos 3:10). Jesus certa vez afirmou ao jovem rico que o abordara: “Não há ninguém que seja bom, a não ser somente Deus.” (Evangelho segundo Lucas 18:19).

Analise o comportamento de uma criança qualquer! Desde a tenra idade, mesmo sem a consciência plena de sua existência e da vida de forma geral, ela age de forma egoísta. Ou seja, pratica – ainda que de forma instintiva – o mal. Pois todo ser humano já nasce debaixo da regência do pecado. O salmista preconiza: “Em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.” (Salmos 51:5).

O ser humano pratica o mal no exato momento em que abandona o Bem supremo, que é Deus e, portanto, pode vir apenas dEle. Na teologia judaico-cristã, quando estudamos os atributos de Deus, os comunicáveis e os incomunicáveis, vemos dois tipos de santidade: kadesh e kadosh. A que Deus comunica ao ser humano, e consequentemente deseja que ele viva, é Kadesh. Já a santidade que pertence somente a Deus, que significa a plena ausência do mal, é Kadosh.

Os apóstolos, ao chamarem os crentes de “santos”, estavam falando do primeiro tipo (kadesh) e em seu primeiro estágio: separados. Ou seja, separados de toda ação e padrão ético provenientes dos pensamentos contrários à Palavra de Deus (Romanos 12:2, II Coríntios 4:4) para começarmos a nos santificar até atingirmos a estatura do varão perfeito (Efésios 4:13). O apóstolo Tiago afirmou ao ensinar sobre o ciclo do mal: “Quando alguém for tentado, jamais deverá dizer: ‘Estou sendo tentado por Deus’. Pois Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta.” (Tiago 1:13). Deus não pode ser tentado pelo mal porque nEle não há mal algum.

O mal, no entanto, não é algo criado. Conforme elucidou Agostinho em seu livro O livre-arbítrio, ele não possui existência própria (ontológica). Nada mais é do que a corrupção (deterioração) do bem. O ser humano se afastou do Bem maior quando abandonou a verdade de Deus e aceitou uma proposta contrária (Gênesis 3:5-8). Sua mente foi contaminada por ouvir um argumento ardiloso.

Com a mente contaminada, seu coração foi corrompido. Consequentemente, suas ações também foram. Por isso o apóstolo Paulo adverte: “O que receio, e quero evitar, é que assim como a serpente enganou Eva com astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se desvie da sincera e pura devoção a Cristo.” (II Coríntios 11:3).

O registro de Gênesis diz: “O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e toda inclinação dos pensamentos de seu coração era sempre e somente para o mal.” (Gênesis 3:6). Tal fato foi desdobramento do ser humano ter se apartado do Bem Supremo devido ao uso indevido da liberdade que lhe foi concedida.

O veredicto que recebeu como consequência de sua escolha foi completo, ou seja, não atingiu apenas o ser humano, mas toda a natureza: “Visto que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual ordenara que não comesse, maldita é a terra por sua causa.” (Gênesis 3:17). O universo entrou em colapso. Desastres naturais como terremotos e tsunamis, por exemplo, são desdobramentos deste fato.

Contudo, assim como o ser humano é responsável pelo mal que existe no mundo (Romanos 5:12), é também de nossa inteira responsabilidade aplacarmos o mal que seja possível. O filósofo britânico Edmund Burke preconizou: “para que o mal vença, basta que o bem não faça nada”. O apóstolo Tiago, no entanto, milênios antes, advertiu: “Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, nisso peca.” (Tiago 4:17). Tal advertência é baseada nos ensinamentos de Jesus: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam.” (Evangelho segundo Mateus 7:12).