terça-feira, 11 de março de 2014

Engano altruístico

Matheus Viana

Há alguns meses minha saúde, em especial a respiração, – já bastante precária – tem piorado consideravelmente. O que tem me deixado fisicamente fraco.

Diante deste quadro, reflito sobre as limitações – que beiram a impossibilidade – que tenho para executar o que creio ser o propósito de Deus para mim: fazer e ensinar. Estas limitações têm aumentado na medida em que tornam-se alvo do meu foco. Levado pelas emoções, medito na história de Jó. Sim, já a li várias vezes, mas o atual contexto é peculiar. Movido pelo Espírito, de forma simples e prática, medito na carta do apóstolo Paulo aos colossenses. Dois relatos completamente discrepantes para uma experiência comum: o sofrimento.

Jó estava diante de um contexto cuja degradação era tão horrenda – perdera os 10 filhos, os bens que possuía e fora acometido por uma terrível enfermidade – que ele, além de amaldiçoar o dia em que nasceu, pediu para si a morte. Apesar de não blasfemar contra Deus, Jó contemplava os males que o acometia e seu clamor era a demonstração de seu absurdo desespero.

Com Paulo era diferente. Ele estava algemado, preso em uma masmorra e havia sido, por diversas vezes, açoitado por conta de sua fé em Cristo. Mas seu alvo de contemplação, ao contrário de Jó, não era ele mesmo, ou seja, toda sorte de males que o acometia, mas o conhecimento de Cristo. Seu clamor não era mórbido e pessimista como o de Jó. Era, na contramão, de esperança.

Ao me deparar com tais discrepâncias, fiquei intrigado. O que determinou estas atitudes tão díspares e contraditórias foi apenas um fator: o alvo de contemplação. Apliquei estes conceitos em minha vida e constatei: eu sou o alvo da minha contemplação, juntamente com os males que me acometem. Em outras palavras, isso é egolatria. E esta atitude redunda, concomitantemente, em justiça humana. Ou seja, na afirmação enganosa de que Deus é indiferente ao nosso sofrimento ou de que não o merecemos.

Poderíamos discorrer sobre teodiceia, mas o meu tempo e sua paciência não permitem. Faremos isso em outra ocasião, lembrem-me! Em contrapartida, quando temos Cristo como alvo (Filipenses 3:13-14, Hebreus 12:1-2), nosso latente sofrimento se transforma em “leve e momentânea tribulação” (II Coríntios 4:17) quando comparado à “boa, perfeita e agradável vontade de Deus” (Romanos 12:2).

Por vezes me esqueço de que um genuíno discípulo de Cristo – ainda que não seja perfeito – não possui vida própria (Evangelho segundo Mateus 16:24). Cruz é lugar de morte. Ou seja, nossas atitudes devem ser determinadas pela consciência de que não vivemos para nós mesmos (II Coríntios 4:9-10), mas para cumprir a plenitude do propósito de nosso Criador. É isso que Jesus quis dizer quando declarou: “Porque a minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou a fazer a boa obra.” (Evangelho segundo João 4:34). É por isso que o apóstolo Paulo atesta: “tende em vós a mesma atitude que houve em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5).

Jesus nos libertou (Evangelho segundo João 8:32-36) para que fôssemos livres e, assim, nos tornarmos seus escravos (Romanos 6:18). Esta condição, no entanto, não é a de Jesus para conosco, mas é a nossa para com Ele. Pois assim como o filho pródigo reconheceu seu erro e se arrependeu, colocando-se diante de seu pai em uma posição de escravo e foi recebido como filho pelo pai (Evangelho segundo Lucas 15:21-22), Jesus nos recebe como filhos (I João 3:1) e amigos (Evangelho segundo João 15:16). Sofrimento não é limitador de altruísmo e do cumprimento do propósito de Deus a nós. Qualquer afirmação contrária é engano altruístico.