quarta-feira, 19 de junho de 2013

O que é a verdade?

Matheus Viana

O que é a verdade? Esta questão paira sobre a mente do ser humano. Baseado em tal fato, quero refletir sobre algo intrigante. Pilatos, governador da Judeia nos tempos de Jesus, fez esta questão diante da Verdade. O que o levou, no entanto, a fazê-la? A afirmação que Jesus fez a ele: “... vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade, ouve a minha voz.” (Evangelho segundo João 18:37).

A palavra “testemunho” no original é martireso. Isso mesmo: a expressão de onde se deriva o substantivo mártir, aquele que está disposto a morrer – e na maioria das vezes morre - por algo ou alguém. Jesus havia dito aos discípulos: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim.” (Evangelho segundo João 14:6). Estas três características messiânicas são completamente coesas. E seriam estabelecidas, de fato, ao ser humano após Seu martírio na cruz.

Analisemos cada uma delas. No original temos: caminho (odos), verdade (aletheia) e a vida (zoe). Em relação ao caminho, Jesus havia elucidado sobre ele: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, toma a tua cruz e siga-me. Aquele que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, e quem quiser perder a sua vida por amor a mim, achá-la-á.” (Evangelho segundo Mateus 16:24-25).

O caminho é a cruz, que simboliza a total sujeição do nosso ‘eu’ diante da soberania do Espírito vivificante de Deus sobre nós (II Coríntios 3:17). A expressão vida que aparece no livro de Mateus é diferente da que aparece no de João. Também pudera. Pois são aspectos diferentes. A expressão que aparece no livro de Mateus é psique, que também é traduzida por alma por se referir à nossa personalidade. Já no de João, a expressão, referindo-se a Jesus, é zoe.

Há três expressões no grego traduzidas por vida para o português: bio, psique e zoe. Bio é referente ao físico, psique é referente à nossa alma e zoe é a vida de Deus, a origem de toda a vida, oriunda de Seu Espírito, no ser humano. Mas ela só seria derramada plenamente sobre nós após Sua morte na cruz. Por isso repreendeu Pedro quando este tentou impedi-Lo de ir à Jerusalém para ser crucificado.

E a verdade? Pilatos estava diante dela e não a reconheceu. Aletheia significa desvelamento. Jesus era a verdade por ser a plena revelação de Deus aos homens (Evangelho segundo João 1:14, Colossenses 1:15). Quando expirou na cruz, o véu do Templo foi rasgado ao meio (Evangelho segundo Mateus 27:51). A Verdade foi plenamente revelada. Nossa parte é apenas nos achegarmos a Ela e contemplá-La a fim de conhecê-La e sermos por Ela transformados (II Coríntios 3:18).

A cruz a qual Cristo passou e também nos convida a tomarmos (não um mero adereço ou amuleto) é o maior testemunho da Verdade. Eis o processo: trilharmos o caminho (cruz), adquirirmos o conhecimento da Verdade (o conhecimento de Cristo) e recebermos de Sua vida abundante. Não há como ser da Verdade, conforme Jesus elucidou, sem se submeter a ele.

O fato de desejarmos obter o conhecimento da verdade, seja em que âmbito for, é desdobramento da necessidade que temos de conhecer a Deus (Não deixe de ler o texto: Perscrutando o imperscrutável). No entanto, não conhecemos a Verdade, e por isso utilizamos todos os meios disponíveis para a obtenção da verdade, por não termos uma experiência com a cruz. Tal fato, por sua vez, desencadeia em algo lamentável: o de contentarmos com simulacros da verdade. É neste momento que entra em cena as religiões.

Após questionar sobre a verdade, Pilatos diz ao povo que entregara Jesus para ser julgado e condenado pelo governo romano: “’Não acho nele crime algum. Mas vós tendes por costume que eu vos solte alguém por ocasião da Páscoa. Quereis, pois, que vos solte o rei dos judeus?’ Então, todos voltaram a gritar, dizendo: ‘Este não, mas Barrabás!’. E Barrabas era um salteador.’” (Evangelho segundo João 18:39-40).

Pilatos, embora não reconhecera a plena Verdade, discerniu parte da verdade. Jesus não havia cometido nenhum crime. Não pecou em nenhum momento de Sua vida terrena (I Pedro 2:22, Hebreus 4:15). Mas esta verdade sobre a Verdade não satisfez a multidão que preferiu um ladrão em detrimento do Messias. Hoje não é diferente. Vivemos a vigência do espetáculo em detrimento da verdade. Afinal, a verdade não arrebanha multidões. Não consegue uma grande audiência...

O Jesus pleno tem sido preterido pelo “Jesus” da teologia da prosperidade, da autoajuda, das bênçãos celestiais... Resumindo, de um cristianismo sem aflições, completamente contrário do que Ele prometeu (Evangelho segundo João 16:33). Isso sim atrai as multidões. Lembremo-nos, no entanto, que Jesus não deseja multidões, mas discípulos que O conheçam, que sejam da Verdade (Evangelho segundo Mateus 28:19).

Em seu livro Elogio da loucura, Erasmo de Roterdã, usando a loucura em primeira pessoa, diz: “quanto mais contrária ao bom senso é uma coisa, tanto maior é o número de seus admiradores, e constantemente se vê que tudo o que mais se opõe à razão é justamente o que se adota com maior avidez”. “Tudo o que se opõe à razão”. Tudo o que se opõe à Logos. Logos não apenas como a razão intelectual, conforme abordada na maiêutica de Sócrates, mas ao próprio Jesus, o Verbo de Deus, conforme o apóstolo João relata no início de seu livro sobre o Evangelho do Messias.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O ser humano em seu "universo"

Matheus Viana

A teoria de que o ser humano, desde a sua criação, consiste na dualidade corpo e alma é oriunda do pensamento de Platão, que afirmava que o corpo é a prisão da alma. A filosofia platônica influenciou Agostinho, um dos principais personagens da Patrística, cuja teologia influenciou Lutero e ainda exerce forte influência na teologia - e também na antropologia - cristã atual.

Platão cria na preexistência da alma – no mundo inteligível – e que, para viver no mundo sensitivo, passou a tomar posse de um corpo. É desta teoria que a expressão latina anima é usada para dizer que o ânimo que se manifesta no corpo do ser humano nada mais é do que desdobramento de sua própria alma, ou seja, sua personalidade.

Por sua vez, Agostinho afirmava que a alma é originada em Deus para animar o corpo, mas ela não tem a natureza divina. Portanto, pensemos: se o corpo humano, por ser feito do pó da terra, não possui a natureza divina e a alma também não possui, e o ser humano é constituído de corpo e alma, então ele não compartilha da natureza de Deus. Com base neste pensamento, há teólogos que afirmam que o fato do ser humano ter sido formado à imagem e conforme a semelhança de Deus consiste apenas no nível moral.

No entanto, se isto é verdade, é certo que a moral divina exercia influência sobre o ser humano. Conforme preconiza C.S Lewis em seu livro Cristianismo puro e simples, o ser humano tem necessidade de estabelecer padrões morais por causa de uma Lei Moral soberana, oriunda de Deus. Apesar de ter sido criado livre, esta liberdade, como Agostinho afirma em sem livro Livre-arbítrio, o levou a pecar.

Em contrapartida, há teólogos que afirmam, por exemplo, que Adão e Eva eram cobertos pela Shekinah (Presença manifesta de Deus). Quando esta foi extirpada em detrimento do pecado original, ambos viram que estavam nus. Portanto, quem diz a verdade? Podemos dizer que não são verdades excludentes, mas complementares. Explico.

O termo nishmat, traduzido como sopro ou fôlego, é próximo do termo nefesh, traduzido como alma ou ser vivente. Contudo, quando usamos a Septuaginta (Versão grega do Antigo Testamento) para refletirmos em Gênesis 2:7, vemos que o termo usado para “fôlego de vida” é composto: pneun zoes. Pneuma é a expressão usada no Novo Testamento para se referir aos termos espírito, vento e fôlego. Zoe, por sua vez, é a vida de Deus no ser humano. O termo Espírito de Deus, por exemplo, é pneumatos, que também se refere ao fôlego de Deus soprado sobre o homem. Desta forma, podemos afirmar que este fôlego de vida é o próprio Espírito de Deus agindo no homem.

A teologia de Paulo fala do pneuma como o “espírito do homem”. Em sua carta aos tessalonicenses, ele lhes deseja: “E o mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito (pneuma), alma (psique) e corpo (soma) sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” (I Tessalonicenses 5:23). Este é um dos principais versículos utilizados com base argumentativa para a tripartição humana.

Uma das regras básicas da hermenêutica é considerar o contexto em que o texto foi produzido. Os tessalonicenses eram fortemente influenciados pela filosofia grega. No intento de fazer o Evangelho compreensível, Paulo utilizou uma didática semelhante ao helenismo. Por isso fez uma espécie de tripartição do ser humano. 

Platão dividia a alma em razão, coragem e desejo. E baseado nesta divisão, cria a dicotomia consciência/corpo, onde vai elucidar sobre a ação do ser humano no mundo inteligível e também no mundo sensitivo, teorizados por Parmênides. Para Platão, o sentimento e o desejo humanos não eram frutos de sua razão (consciência), mas puramente do corpo. Assim, concluía que tanto o sentimento como o desejo (incluindo os impulsos afetivos e sexuais) não têm nada de racional. Paulo usa esta teoria para falar, por exemplo, da dicotomia entre carne e Espírito (pneumatos). Ou seja, o pecado como fruto da carne, e a obediência plena a Deus como fruto do Espírito.


Na questão da saudação de Paulo aos tessalonicenses, ele utiliza estes três aspectos para elucidar sobre a nossa conduta como cristãos. A expressão “vosso espírito” se refere à ação do Espírito de Deus em nosso interior. Já “alma” fala da nossa personalidade subjetiva, da sujeição do nosso eu à ação do pneuma divino. E o corpo (soma) é o desdobramento de nosso comportamento oriundo de uma alma submissa e influenciada pela ação do Espírito de Deus em nós. Lembre-se, em Jesus, não vivemos como alma vivente, mas como Espírito vivificante (I Coríntios 15:45).

domingo, 9 de junho de 2013

Ensaios sobre a prosperidade – Parte II

Jesus no Getsêmani: batalha entre alma e Espírito
Matheus Viana

Concluído o que é, de fato, prosperidade de acordo com as Escrituras, passemos para o passo seguinte. Conforme o apóstolo João deseja em relação a Gaio, o principal alvo da prosperidade deve ser a nossa alma para que ela possa atingir todos os outros níveis da nossa vida.

Mas, afinal, o que é a alma? O senso comum diz que é a sede de nossos sentimentos e emoções. Será apenas isso? A Bíblia diz que ela é mais do que isso. A filosofia também. As ciências que a estudam, como a psiquiatria e a psicologia, com suas ramificações, também. Poderíamos fazer uma breve síntese dos muitos conceitos existentes. Contudo, meu tempo e sua paciência não permitem.

Vejamos, de maneira sucinta, o relato bíblico de Gênesis 2:7: “E formou Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou alma vivente”. Em algumas traduções, o termo ser aparece no lugar de alma. Vemos então que Deus fez um corpo para o homem, soprou sobre ele de Seu fôlego de vida, que é Seu próprio Espírito, e o homem, a partir de então, se tornou alma, um ser vivente. O que denota o fato de que a alma é a personalidade do ser humano. Por sua vez, esta alma habita em um corpo, e, quando ele reconhece Jesus como Senhor e Salvador de sua vida (Evangelho segundo João 1:12), o Espírito de Deus volta a habitar em seu interior.

Mas há um ensinamento de que somos um espírito, possuímos uma alma e habitamos em um corpo, baseado em uma interpretação dos ensinamentos do apóstolo Paulo. Refletiremos sobre isto em outra oportunidade.

Sabemos que o ser humano provou o dissabor da morte em decorrência de seu pecado (Romanos 5:12). E esta morte passou por dois momentos: a thanatos, onde o Espírito de Deus (pneumatós) deixou de habitar no interior do homem, e este é o motivo que leva Paulo a afirmar que estávamos mortos em nossos delitos e pecados (Efésios 2:1); e a nekros, onde ele passa a ser suscetível à morte física.

Portanto, a alma é o nosso eu. O eu humano foi o principal alvo dos filósofos gregos e também é da filosofia e da ciência contemporânea. O entendimento hebraico, no entanto, diz que o eu humano é o coração. Não o nosso coração físico, mas o âmago de nossa existência que, por exemplo, Platão define como "razão", Descartes define como "ser pensante" e Schopenhauer como "vontade". A alma, no entanto, fica sendo parte deste eu. O sábio Salomão adverte: “De tudo o que deves guardar, guardas o coração, pois dele procedem todas as fontes da vida.” (Provérbios 4:23).

Jesus exortou Seus discípulos: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a tua cruz e siga-me.” (Evangelho segundo João 16:24). O negar a si mesmo proposto por Ele é renunciar este eu como fruto do Shemá que repetiu aos saduceus: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda alma e com todo o entendimento.” (Deuteronômio 6:5, Evangelho segundo Mateus 22:37). Amar a Deus com todo o nosso eu e, consequentemente, com a vontade, sentimento, razão e entendimento.

O apóstolo Paulo, que em suas cartas se refere por várias vezes ao pneuma (espírito humano), cujas razões trataremos em outra oportunidade, em um de seus ensinamentos diz que o primeiro Adão foi alma vivente, e o segundo Adão, Jesus, tornou-se Espírito vivificante. Com isso, estava dizendo que, apesar de o nosso eu ser a alma, devemos pautar a nossa vida pela ação vivificante do Espírito de Deus em nós a fim de que, como Paulo idealizou, não seja mais nós mesmos (nosso coração ou nossa alma), mas que Cristo (Seu Espírito) viva plenamente em nós (Gálatas 2:20).

O “jardim” como campo de batalha

A prosperidade de nossa alma demanda uma árdua batalha. Não é em vão que o apóstolo Paulo exorta: “Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo.” (Efésios 6:11). No jardim do Éden, o ser humano travou uma batalha contra a sua alma e perdeu (Gênesis 3:5-7). Jesus travou a mesma batalha em outro jardim, o do Getsêmani, e foi vitorioso (Evangelho segundo Mateus 26:39). Sua oração é emblemática: “Não seja como eu quero, mas como tu queres.”. Como homem, Jesus renunciou sua alma para obedecer o plano ao qual Se submetera antes da fundação do mundo (Apocalipse 13:8). E por isso renunciou sua  personalidade humana para se render ao Espírito vivificante de Deus para que possamos proceder da mesma forma. Este foi o exemplo vivo do que dissera em Mateus 16:24: o negar a si mesmo.

Esta é a prosperidade que João deseja a Gaio: ser próspero em seu eu. Mas, diferente do existencialismo vigente, esta prosperidade consiste exatamente em sua morte. Pois só seremos verdadeiramente prósperos quando renunciarmos nossa alma vivente a fim de que o Espírito vivificante de Deus habite e se manifeste em nós e através de nós.

Leia também: A essência humana.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Ensaios sobre a prosperidade – Parte I

Acredite! Cartaz de uma campanha evangélica.
Matheus Viana

Traduzindo os dois primeiros versículos da terceira carta do apóstolo João diretamente do grego, sem estilização da sentença, mas mantendo a escrita mais próxima possível do original, temos: “Ó presbítero Gaio amado, que eu amo na verdade. Amado, com respeito a tudo, desejo que prosperes em sua saúde e também prosperes em sua alma.”.

Prosperidade. Algo em franca e constante evidência. E que, por isso, seu conceito tem sido completamente deturpado. Não quero aqui, nesta primeira parte de nossa reflexão, complementar a teologia disseminada à exaustão que afirma a espécie de “clichê” de que prosperidade é estar no centro da vontade de Deus. Sim, isto é verdade. Mas é justamente esta a verdade que tem sido mudada.

Para a maioria, o “centro da vontade de Deus” ao ser humano é que ele viva uma vida abastada em todos os níveis. Com isso, a “prosperidade” sócio-econômica, consciente ou inconscientemente, permanece na berlinda (vide imagem acima). Mas eis o fato bíblico: Jesus não promete isso. Pelo contrário! Ele sentenciou: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que possuem riquezas! Porque é mais fácil entrar um camelo no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus.” (Evangelho segundo Lucas 18:25).

Interprete este “buraco de agulha” como queira. Sendo uma agulha literal ou algo natural existente, a questão em voga é que as riquezas as quais a “prosperidade” humana busca nos impedem de alcançar o reino de Deus. Palavras do próprio Jesus. Durante Seu sermão da montanha, disse: “Não podeis servir a dois senhores, pois amará a um e aborrecerá o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas”. (Evangelho segundo Mateus 6:24).

Vemos nas palavras de Jesus um claro e evidente antagonismo entre a prosperidade disseminada à exaustão, que preconiza as riquezas materiais, e o reino de Deus. Intrigante. Quer dizer, então, que exercer o verdadeiro cristianismo consiste em sermos pobres? Claro que não! O próprio Jesus disse que veio para que tivéssemos vida abundante (Evangelho segundo João 10:10). A questão é que precisamos compreender a prosperidade originada em Jesus. Pois, conforme João Batista elucidou, clamemos: “O homem não pode receber nada se do céu não lhe for dado.” (Evangelho segundo João 3:27).

O apóstolo Paulo dá a chave: “Porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento”. (I Coríntios 1:5). Em tudo fomos enriquecidos. No entanto, a fonte de nossa riqueza é Cristo. Se isto é verdade, toda riqueza que contraria e nos impede de entrar em Seu reino não pode vir Dele. Tal fato é dedução lógica pura e simples. Por isso, vemos, de acordo com o apóstolo Paulo, que a riqueza de Cristo para nós consiste em “toda palavra e em todo conhecimento.”. O que mais podemos querer?

A expressão “palavra” que aparece no versículo acima é logos na escrita original, diferentemente de graphás, que é comumente traduzida como “escritura”, como por exemplo, no Evangelho segundo Mateus 22:29. Paulo está dizendo que não fomos enriquecidos apenas nas escritas deixadas por Deus através de homens (II Timóteo 3:16), mas do Logos, ou seja, a essência do próprio Jesus conforme relata o apóstolo João no primeiro capítulo de seu registro do Evangelho de Cristo: “No princípio era a Palavra, a Palavra estava com Deus e era Deus.”.

Já a expressão “conhecimento” não é eidos (ideia) conforme aparece, por exemplo, em Mateus 22:29 quando Jesus diz aos saduceus: “Errais por não conheceres (“eidotes” – verbo originado na palavra “eidos”) as escrituras (graphás) nem o poder (dumanis) de Deus.”. A palavra usada por Paulo é gnose. Gnose é o conhecimento que não é obtido apenas pela razão, como por exemplo, o epistêmico, elucidado por Platão que consistia na consciência da existência do homem e na meditação no saber filosófico; mas também através de algo transcendental ao ser humano.

A seita que perturbou a Igreja no primeiro século, chamada de gnosticismo, dizia, grosso modo, que o ser humano só pode ser salvo se obter uma espécie de conhecimento alcançado através de renúncias e profundas meditações, o que anulava a obra salvífica de Jesus na cruz. Paulo e os demais pais da Igreja refutaram esta heresia.

Paulo não estava se referindo ao gnosticismo, mas sim ao pleno conhecimento de Jesus Cristo. Os coríntios, por serem gregos, eram influenciados pela filosofia clássica, sobretudo pela maiêutica de Socrátes e também pela sua proposta: “Conhece-te a ti mesmo”. Por isso o apóstolo Paulo também propôs: “Examine o homem a si mesmo.” (I Coríntios 11:28), além de dizer que é este conhecimento que nos faz ser prósperos. Portanto, só conheceremos a nós mesmos quando conhecermos àquele ao qual fomos formados à Sua imagem e semelhança: Jesus, a imagem do Deus invisível (Colossenses 1:15).

João Calvino afirmou: “O verdadeiro conhecimento de nós mesmos é completamente dependente do verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo”. Verdade completa. Pois só conheceremos (gnose) a nós mesmos quando conhecermos quem Jesus foi, é, e será eternamente (Hebreus 13:8). Conforme preconiza Ariovaldo Ramos: “Jesus é o que Deus é e o que todo ser humano deve ser”. Por isso, o próprio Jesus advertiu: “Examinai as Escrituras, pois elas de mim testificam.” (Evangelho segundo João 5:39). Conhecer a Cristo e, com isso, ter a consciência do ser que Deus deseja que sejamos. Isso sim é riqueza. Isso é estar no centro da vontade de Deus em todos os níveis de nossas vidas (Romanos 8:29).

O apóstolo Paulo possuía esta consciência. Por isso afirmou: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as considero como esterco para que possa ganhar a Cristo.” (Filipenses 3:8). Comparemos, para encerrarmos esta longa reflexão, o balanço da vida do homem mais rico da Bíblia e do apóstolo Paulo. O primeiro chegou à conclusão de que tudo é vaidade, e de que sua devoção às muitas riquezas que possuía nada mais foi do que correr atrás do vento (Eclesiastes 1:1-6). Já o apóstolo Paulo, conforme ele mesmo disse, combateu o bom combate, completou a carreira, guardou a fé (II Timóteo 4:6-7). Qual destes dois foi, de fato, próspero?

Respondo. O mesmo que advertiu seu amado discípulo em Cristo, Timóteo: “Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e na ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz do todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência e a mansidão... Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas desfrutarmos.” (I Timóteo 6:9-10 e 18).

Continua...