segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Auto-engano


Matheus Viana

Os saduceus estavam enganados pela racionalidade desprovida de experiência com o genuíno Evangelho que é o poder de Deus (I Coríntios 1:18). Um romance é muito mais prazeroso de ler (uso da razão) quando o experimentamos pelas vias da nossa imaginação e das nossas emoções, não é verdade? As Escrituras são muito mais do que um mero romance.

É consenso que a mensagem das Sagradas Escrituras foi, de certa forma, comprometida nos processos de preservação e tradução. Para os entendermos, é necessário um amplo arcabouço histórico, o que eu não tenho. Por isso, minha singela e despretensiosa proposta é analisar, de forma breve, o nível deste comprometimento.

Para isso, farei uso do texto descrito no Evangelho segundo Mateus 22:29 traduzido, em algumas versões para a língua portuguesa, como: “Errais por não conhecerem as escrituras, nem o poder de Deus”. Sim, este é o conhecido episódio em que Jesus discute com os saduceus a respeito da ressurreição.

Contudo, quando lemos a forma original, escrita no grego koiné, temos: Apokritheis dé ó (respondendo-lhes) Iesous (Jesus) eipen (disse) autóis (si mesmos) planasthe (enganados) me (não) eidotes (idéias, entendimento) tas (das) graphás (escrituras) mede tén (nem o) dúnamis (poder) tou (de) Theou (Deus)”.* (*A forma original é escrita com o alfabeto grego). Traduzido literalmente, lemos: “Respondendo-lhes Jesus, disse: Enganam-se a si mesmos não entendendo as escrituras nem o poder de Deus.

Platão aplicava à expressão eidos (que se lê “idos” e cujo plural é eidotes) o significado de ideia. É justamente de eidos que surge a expressão latina idea que, por usa vez, origina o termo português ideia. O que isso quer dizer? Platão conceituava eidos como a obtenção do conhecimento, que dividia em duas partes: Doxa, opinião; e epísteme, o científico. Na república que idealizou chamada Callípolis, apenas o cidadão que possuía o conhecimento epistêmico da política, que era obtido pela filosofia, poderia exercer o governo político.

No entanto, este conhecimento passava pela relação dialética entre mundo sensitivo (uso dos sentidos) e mundo inteligível (uso da razão) que Platão herdou de Parmênides. Ou seja, o conhecimento era, em primeiro plano, experimentado através dos sentidos. E esta experiência – chamada mais tarde por John Locke de “empírica” – passava pelo crivo da razão.

Jesus estava dizendo aos saduceus que eles não tinham a eidos das Escrituras. Pois a experiência ao qual passaram era apenas racional. Por serem a parte intelectual da cúpula religiosa judaica, a Lei e os Profetas não transmitiam, para eles, a ardente expectativa para o cumprimento das profecias e do surgimento do tão esperado Messias. Eram apenas letras.

Mas veja que Jesus não apenas lhes diz que, por isso, erravam. Ele foi mais fundo. Tocou o cerne do problema. Com certeza se lembrou do trecho em que o profeta Oséias descreve o clamor e a tristeza de Deus em relação ao Seu povo: “Meu povo se perde por falta de conhecimento”. (Oséias 4:6). Falta de eidos, do conhecimento que é fruto da experiência e da razão. Em outras palavras, os saduceus não experimentaram as Escrituras como elas, conforme Jesus afirmou, são: “Espírito e vida.” (Evangelho segundo João 6:63). Mais do que isso: Elas revelam o próprio Cristo (Evangelho segundo João 5:39).

Os saduceus estavam enganados pela racionalidade desprovida de experiência com o genuíno Evangelho que é o poder de Deus (I Coríntios 1:18). Um romance é muito mais prazeroso de ler (uso da razão) quando o experimentamos pelas vias da nossa imaginação e das nossas emoções, não é verdade? As Escrituras são muito mais do que um mero romance. São o legado do Deus que se fez homem e habitou entre nós (João 1:14, Filipenses 2:6-8). Que morreu a nossa morte para que vivamos Sua vida (I João 4:10, Evangelho segundo João 10:6-10). Não é em vão que o apóstolo Paulo, além de nos alertar sobre sermos transformados em nossa forma de pensar (Romanos 12:2, I Coríntios 2:16), nos exorta a termos o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus (Filipenses 2:5).

É deste sentimento, em parceria com a razão, que surge o eidos que não nos deixa ser enganados. Este eidos somente o Espírito Santo pode nos conceder (Evangelho segundo João 16:13). Um processo que envolve Sua ação em nossa alma por completo: emoções e intelecto. Por isso Jesus disse: “Mas o consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ajudará, vos ensinará, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”. (Evangelho segundo João 14:26).

Não se engane com um processo diferente deste!